SÍNTESE INSTITUCIONAL DA ONTOLOGIA DA COMPLEXIDADE EMERGENTE

Fundamento e Dispositivos da Corrente

A Ontologia da Complexidade Emergente é uma proposta filosófica radicalmente imanente e processual, que recusa qualquer forma de transcendência, dualismo ou teleologia. O seu objetivo não é explicar o mundo por princípios externos, mas compreender como a própria matéria — em todas as suas escalas e instabilidades — se reorganiza, se complexifica e dá origem a novos regimes de existência. Esta síntese apresenta os cinco princípios centrais que estruturam a corrente, de forma clara, articulada e coerente com os fundamentos já estabelecidos na obra.

I. A Matéria como Agente Experimental

O princípio ontológico fundamental da corrente afirma que a matéria não é substrato inerte, mas agente ativo de invenção do real. Em vez de esperar uma forma externa que a organize, a matéria é pensada como campo de experimentação contínua, onde novas configurações surgem a partir de flutuações, instabilidades e interações locais.

Esse processo não é orientado por um fim. As configurações que persistem não são “melhores”, mas materialmente consistentes o suficiente para durar. Aquilo a que chamamos “evolução” deixa de ser um conceito restrito à biologia, passando a nomear um princípio universal de reorganização emergente. O universo não está apenas a ser — está a inventar-se.

II. O Excesso Como Fonte da Criação

Ao contrário de muitas genealogias filosóficas que partem da falha, da crise ou da fratura, esta corrente propõe uma ontologia afirmativa da criação. A falha, por si só, nada produz: apenas revela o que não funciona. O que possibilita a reorganização é sempre o excesso — a presença de múltiplas vias potenciais de funcionamento.

A matéria, ao atingir certos limiares de complexidade, não colapsa — dobra-se sobre novas possibilidades. A criação simbólica, a reorganização técnica, o pensamento e mesmo a ética, nascem dessa pluralidade operatória do real, e não de qualquer falta a preencher. A mudança, aqui, é movida pela superabundância de mundo, não pela sua escassez.

III. O Simbólico Como Gesto Ontológico

Um dos deslocamentos centrais da corrente é a redefinição do simbólico. O símbolo não é privilégio humano nem mero código de representação: é o gesto material de representar o ausente, de inscrever uma diferença onde antes havia apenas funcionamento. Trata-se de um operador ontológico, e não de um ornamento linguístico.

Este gesto simbólico emerge progressivamente sempre que um sistema material (biológico ou não) atinge complexidade suficiente para operar com ausências, memórias, alternativas. Assim, a razão e o pensamento não são rupturas metafísicas, mas efeitos materiais de reorganizações simbólicas. O que importa não é o substrato (carbono ou silício), mas a função simbólica que se instala no sistema.

IV. A Crítica à Medição e a Distinção entre Duração e Tempo

A epistemologia da corrente recusa a ideia da medição como descoberta passiva da realidade. Medir é sempre um ato de inscrição simbólica, de projeção de uma grelha de convenções locais sobre o real. Toda medição interfere, estabiliza, organiza — não revela, mas impõe um regime de legibilidade.

Neste contexto, é fundamental distinguir duração e tempo. A duração é o fluxo material da existência, indiferente à simbolização. O tempo é a forma simbólica que projetamos sobre essa duração, através de escalas, marcos e convenções. Esta distinção é confirmada pela própria física moderna: não há tempo absoluto. Há apenas formas locais de inscrição de uma duração que escapa.

No limite, como na origem do universo, há fenómenos que resistem à inscrição: são zonas de impossibilidade de medição, onde o simbólico ainda não encontrou forma. São esses limiares que convocam a filosofia.

V. A Ética Imanente Como Resposta à Alteridade

A ética da Ontologia da Complexidade Emergente não se funda em normas exteriores, nem em princípios universais transcendentes. Ela emerge como gesto simbólico de reorganização perante o outro. A escuta, a modulação e a reconfiguração simbólica são as formas que a ética assume num mundo que não possui garantias a priori.

A crítica, neste contexto, não destrói: sinaliza o excesso do real que a teoria ainda não conseguiu organizar. O gesto ético é aquele que se reorganiza perante a alteridade, mantendo-se em travessia. Recusar a crítica é recusar a vida simbólica. A verdadeira força de uma teoria — ou de um sistema — reside na sua plasticidade, na coragem de se expor à diferença e permanecer inacabada.

Encerramento: Uma Ontologia do Inacabamento

Estes cinco princípios não pretendem esgotar o pensamento. São formas operatórias que organizam o campo simbólico da corrente, mantendo-o em abertura. Em vez de propor um sistema fechado, a Ontologia da Complexidade Emergente afirma que pensar é reorganizar — e reorganizar é sempre um gesto feito no risco, na escuta e na ausência de garantias.

Não há verdade última. Há formas locais de organização do real, sempre provisórias, sempre expostas. Esta síntese é apenas uma inscrição entre outras, parte de um processo maior que ainda não terminou — e que talvez nunca deva terminar.